Resumo da reflexão da Conferência Episcopal Portuguesa
sobre a sociedade portuguesa a reconstruir depois da pandemia Covid-19
Ao longo da história, calamidades que destroem parte do que foi sendo construído em muitos anos dão origem a um novo começo que pode ser a ocasião de aprender as lições que podemos colher dessas calamidades, e também de repensar os alicerces em que assentavam as sociedades até então, para que o que se constrói de novo não reproduza os defeitos do que foi destruído. É o que pode suceder agora depois da pandemia do coronavírus Covid-19.
Lição prioritária a colher da tragédia desta pandemia é a da redescoberta do valor de cada vida humana, pois só esse valor poderá justificar as consequências das medidas tomadas para impedir a difusão da doença. À redescoberta desse valor está associada a redescoberta do valor da missão dos serviços de saúde, acessíveis a todos, e dos seus profissionais, merecedores de um reconhecimento que fomos esquecendo nos últimos tempos. Esse valor da vida não é menor quando as vítimas a proteger são idosos e só pode lamentar-se que muitos residentes em lares tenham sofrido mortes que poderiam ter sido evitadas. Há, então, que dar outra atenção à condição dos idosos e das instituições que deles cuidam. A legalização da eutanásia contradiz esta lição que vem da redescoberta do valor da vida humana.
Se é verdade que esta pandemia nos tem feito redescobrir o valor da vida humana terrena, ela também nos tem feito redescobrir a precariedade dessa vida. Por isso, esta deve ser também uma ocasião para redescobrir Deus, a quem devemos essa vida e que nos chama a partilhar com Ele uma outra Vida, de plenitude e eternidade.
A pandemia fez-nos sentir que somos uma só família humana e que «estamos todos no mesmo barco». Seria bom que esta consciência se estenda a outros âmbitos da vida social, desde logo ao modo de enfrentar a crise económica e social que já estamos a experimentar. Superar esta crise exige uma coesão inédita entre agentes sociais e políticos. Ao Estado cabe um importante papel, mas talvez ainda mais importante seja o da sociedade civil. Esta crise parece não ter precedentes em gravidade e, por isso, ela reclama um esforço de solidariedade também sem precedentes.
Quanto aos alicerces em que deve assentar a economia a reconstruir, esta deve ser uma ocasião para repensar o sistema económico, para preservar o que ele tem de bom e para corrigir o que ele tem de negativo e injusto, como a desigualdade e a destruição do ambiente. Pode ser uma ocasião para construir um sistema em que os valores da solidariedade não movam apenas as ações de apoio social, mas penetrem também na economia e no mercado.
Esta pode ser uma ocasião para implementar a globalização da solidariedade, desde logo no plano da saúde pública, a qual não pode deixar de ter, hoje mais do que nunca, uma dimensão universal. Tornar universal o acesso à futura vacina contra a Covid-19 é dos primeiros passos nesse sentido.
A União Europeia enfrenta um desafio que talvez seja o maior da sua história: perante a crise económica e social gerada pela pandemia, deverá atuar como uma verdadeira comunidade em que cada um dos seus membros sente como seus os dramas que atingem os outros.
Como no mundo inteiro e em todos os setores da sociedade, também entre nós a Igreja foi provada pela pandemia e obrigada a adaptar-se e a inovar no campo das celebrações, da catequese, dos laços comunitários, da sua presença e ação na sociedade. Nestas vertentes houve muitos sinais de criatividade pastoral que não se devem perder, mas antes valorizar no futuro, como manifestação de nova vida e de nova esperança.
Esta reflexão quer ser apenas um contributo construtivo e cordial sem pretensão de oferecer soluções técnicas e imediatas para os problemas enfrentados. Dado o evoluir da pandemia e a exiguidade de tempo desta Assembleia, está a ser preparada para a próxima Assembleia Plenária uma reflexão mais alargada e profunda sobre os desafios e consequências pastorais da pandemia na vida da Igreja.
Fátima, 16 de junho de 2020