400 Anos da Congregação da Missão de São Vicente de Paulo

25 JANEIRO // SERMÃO DA MISSÃO
Aniversário da “fundação” da Congregação da Missão
Dia da Província Portuguesa da Congregação da Missão

No dia 25 de janeiro, a Congregação da Missão faz memória do início da “Missão” e nós, padres vicentinos em Portugal, escolhemos este dia para comemorar o dia da Província Portuguesa.

«Foi esta graça que teve este efeito salutar no coração daquele aldeão, quando confessou publicamente, e na presença da esposa do general, de quem era vassalo, as suas confissões sacrílegas e os enormes pecados da sua vida passada; então aquela virtuosa senhora, cheia de admiração, disse ao padre Vicente: ‘O que é que acabámos de ouvir? Deve acontecer o mesmo, sem dúvida, com a maioria destas pessoas. Se este homem, que tinha a fama de ser um homem bom, estava em estado de condenação, o que acontecerá com os outros que vivem tão mal? Oh, Padre Vicente, quantas almas se perdem! O que é que podemos fazer?’». (Obras de San Vicente de Paúl, Tomo XI, págs. 699-700).

Esta é a “memória” que a Congregação da Missão comemora neste dia. Esta é a memória que São Vicente evocava para tornar presente aos seus seguidores a origem da «Missão», o encontro com Cristo na «pobre gente do campo que se condena».


Carta do Santo Padre sobre os 400 anos.

Ao reverendo Tomaž Mavrič
Superior Geral
da Congregação da Missão

No momento em que a Congregação da Missão se prepara para comemorar o quarto centenário da sua fundação, envio as minhas saudações afetuosas a vossa reverência, aos sacerdotes e irmãos da Congregação, e a todos os membros da grande Família Vicentina. Rezo para que este aniversário especial seja uma ocasião de grande alegria e renovada fidelidade, em conformidade com a visão do discipulado missionário, assente na imitação do amor preferencial de Cristo pelos pobres.

Os inícios da vossa Congregação estão ligados à profunda experiência pessoal de São Vicente de Paulo, naquele “fogo do amor” que ardia no coração do Filho de Deus encarnado, que O levou a identificar-se com os pobres e os marginalizados (Conferência 207 sobre a caridade, 30 de maio de 1659). Preocupado com a falta de assistência pastoral nas zonas mais rurais da França, decidiu nos princípios de 1617 organizar missões destinadas a proporcionar a instrução catequética básica e a fomentar o regresso à vivência dos sacramentos. Foi um sonho que se concretizou, uns oito anos mais tarde, com a fundação da Congregação da Missão a 17 de abril de 1625.

Nos primeiros sete anos de vida, os sacerdotes e irmãos da Congregação realizaram 140 missões. Entre 1632 e 1660, os missionários da Casa Mãe, em Paris, organizaram mais 550 missões. A partir de 1635, com o nascimento de comunidades fora de Paris, foram lançadas centenas de missões. Esta notável expansão dá testemunho da fecundidade espiritual e missionária do zelo sacerdotal de São Vicente e da sua sede em converter os corações e os espíritos a Cristo.

No seu trabalho próximo dos pobres, Vicente rapidamente compreendeu que as obras de caridade precisavam de ser bem organizadas. As mulheres foram as primeiras a aceitar este desafio. Em 1617, na paróquia de Châtillon, estabeleceu a primeira das “Confrarias da Caridade”, que continuam hoje como Associação Internacional de Caridade ou Voluntariado Vicentino. Em 1633, juntamente com Santa Luísa de Marillac, fundou uma forma revolucionária de comunidade feminina, as “Filhas da Caridade”. Até então, as religiosas viviam em clausura. As Filhas da Caridade foram enviadas pelas ruas de Paris para servir os doentes e os pobres. Esta inovação deu frutos, nos séculos seguintes, através de uma verdadeira proliferação de congregações religiosas femininas dedicadas às obras apostólicas.

A partir de 1628, em resposta a um apelo do bispo de Beauvais, a Congregação da Missão começou também a dedicar-se à formação do clero. Este trabalho, tão necessário para a reforma e renovação da Igreja da França do século XVII, cresceu e floresceu. À data da sua morte, tinham já sido fundados vinte seminários e 12.000 jovens tinham participado nos retiros de preparação para a ordenação sacerdotal. São Vicente estava convencido da importância deste “elevado e sublime ministério” que se converteu numa marca distintiva da Congregação (Conferência sobre os fins da Congregação, 6 de dezembro 1658). Nas Regras Comuns afirma-se claramente que, pela sua própria natureza, este ministério deve ser exercido “em igual medida” com o da pregação de missões (Regras Comuns, XI, 12).

Neste aniversário é oportuno refletir sobre o legado espiritual, o zelo apostólico e o cuidado pastoral que São Vicente de Paulo transmitiu à Igreja Universal. A lista daqueles que assimilaram a espiritualidade vicentina e a viveram heroicamente ao longo dos anos é longa e abarca todos os continentes. Pensemos em São João Gabriel Perboyre, São Francisco Regis Clet, São Justino de Jacobis, Santa Luísa de Marillac, Santa Joana Antida Thouret, Santa Catarina Labouré, Santa Isabel Ana Seton, o Beato Frederico Ozanam e muitos outros, entre os quais Ján Havlík, beatificado a 31 de agosto de 2024, na Eslováquia.

Ainda hoje, seguindo os passos de São Vicente, a sua família continua a iniciar obras de caridade, a empreender novas missões e a ajudar na formação do clero e dos leigos. Mais de 100 ramos de sacerdotes, irmãos, irmãs, mulheres e homens leigos constituem hoje a Família Vicentina. A Sociedade de São Vicente de Paulo, fundada em 1833 pelo Beato Frederico Ozanam, tornou-se uma força extraordinária do bem ao serviço dos pobres, com centenas de milhares de membros em todo o mundo.

A Congregação da Missão experimenta, atualmente, novos sinais de crescimento. As Províncias mais jovens, especialmente na Ásia e em África, onde as vocações para a Congregação estão a florescer, têm respondido ao apelo para iniciar missões em outros países. A Congregação continua também a empreender novas obras criativas entre os necessitados. Penso, por exemplo, na “Aliança Famvin com as pessoas sem-teto”, uma iniciativa internacional para oferecer casas a preços acessíveis a pessoas sem-teto, inspirada no exemplo de São Vicente de Paulo, que começou o seu trabalho com elas em 1643, construindo, para os pobres, treze casas em Paris. Esta iniciativa pretende desenvolver-se nos países onde os vicentinos estão presentes, com a construção de outras casas, superando assim o objetivo inicial de albergar 10.000 pessoas.

Quatro séculos após a fundação da Congregação da Missão, não há dúvidas de que o carisma de São Vicente de Paulo continua a enriquecer a Igreja através dos vários apostolados e das boas obras de toda a Família Vicentina. Espero que as celebrações do IV centenário coloquem em evidência a importância da conceção de São Vicente do serviço a Cristo na pessoa dos pobres, para a renovação da Igreja do nosso tempo, no discipulado missionário e na ajuda aos necessitados e abandonados nas muitas periferias do nosso mundo e nas margens da cultura da superficialidade e do descarte. Estou convencido de que o exemplo de São Vicente de Paulo pode inspirar de modo particular os jovens, que, com o seu entusiasmo, a sua generosidade e a sua preocupação pela construção de um mundo melhor, são chamados a ser testemunhas audazes e valentes do Evangelho entre os seus pares e onde quer que se encontrem (Exortação Apostólica Pós-sinodal Christus Vivit, 178 [25 de março de 2019])

Asseguro, com grande afeto, aos sacerdotes e irmãos da Congregação da Missão a minha particular proximidade na oração durante o próximo ano jubilar. Peço-vos que, inspirados pelo vosso Fundador, continuem a configurar a vossa vida e o vosso trabalho segundo a exortação à humildade e ao zelo apostólico que ele dirigiu aos primeiros membros da Congregação: “Coragem, pois, irmãos, dediquemo-nos com renovado amor ao serviço dos pobres, procuremos, de facto, os mais miseráveis e os mais abandonados. Reconheçamos diante de Deus que eles são os nossos senhores e mestres, e que não somos dignos de render-lhes os nossos humildes serviços” (Conferência 164 sobre o amor aos pobres, janeiro de 1657).

Confiando todos os membros da Família Vicentina à intercessão maternal de Maria, Mãe da Igreja, concedo a minha Bênção Apostólica como penhor de paz e de alegria no Senhor. E peço-lhes, por favor, que se lembrem de mim também nas vossas orações.


Roma, São João de Latrão, 11 de dezembro de 2024


Ver outros documentos: