Nins…
Homilia do XXIX Domingo do Tempo Comum
Nins…
A vida não é linear, muito mais quando falamos da vida em Deus.
Gostamos muito nos nossos conceitos mentais de que tudo esteja em ordem. Que tudo se resuma a simples sins e a simples nãos. E, quando alguém nos começa a responder com muita conversa, tentamos puxar sempre para que tudo se canalize a uma simples premissa.
Contudo, esquecemo-nos que por detrás de um sim e de um não pode haver razões que só a própria razão desconhece. Pode haver motivos legítimos para que nem tudo seja tão taxativo. Para não falar das intenções que podemos colocar para obter esses sins e esses nãos. Muitas vezes fazemo-lo para despachar o assunto. Quem nunca utilizou a célebre expressão “vá, resume lá isso”, ou “traduz isso em miúdos”? Mas também podemos fazê-lo por hipocrisia, que é o que estes fariseus tentaram fazer com Jesus. A hipocrisia leva-nos a uma reação muito comum: em não querer ouvir os nins do outro para poder taxativamente justificar aquilo que eu quero.

Mas, afinal, quais são os nins de Jesus? Por que é que ele não responde nem sim, nem não? Em primeiro lugar, porque sabe que está diante de uma atitude hipócrita. Jesus responde com verdade e retidão, essa retidão que, apesar de não o quererem dizer, os seus opositores afirmaram de Jesus. Em segundo lugar, porque Jesus sabe que, quer o seu sim, quer o seu não, seriam motivo de julgamento.
Mas Jesus não os deixa sem resposta e, face à habilidade da mentira e da hipocrisia, responde com a habilidade da verdade e da retidão, dizendo-lhes: “devolvei as coisas de César a César e as coisas de Deus a Deus”.
Note-se que Jesus não respondeu com o verbo “dar”, usado na pergunta, mas com o verbo “devolver” o seu a seu dono. Fica claro que a moeda vem de César e a César deve voltar, mas também fica claro que o que vem de Deus a Ele deve voltar.
Esta diferença marca o essencial. Dar alguma coisa significa que eu ofereço livremente aquilo que tenho. Devolver significa que já alguém me tinha emprestado, oferecido e eu retribuo de volta aquilo que tenho. Com esta resposta, Jesus não se demarca de uma certa postura política, mas, ao mesmo tempo, reafirma a autoridade de Deus. A sua resposta mostra-nos que a fé e a política são âmbitos que não podemos misturar. Não são farinha do mesmo saco. É certo que a nossa fé nos leva a definir critérios para as nossas escolhas políticas, e isso é bom. Mas, ao mesmo tempo, Jesus mostramos que as águas devem ser separadas e a cada um deve ser dado o que lhe diz respeito. Vimos o que aconteceu com a Igreja quando se misturou com o poder político. Vemos o que acontece, por exemplo, com os nossos irmãos muçulmanos, quando misturam o poder político com o religioso. Vemos ainda muitas vezes, em muitas das nossas comunidades paroquiais, o que acontece quando misturam a sua fé com o poder político, pois normalmente há sempre confusões e mal-entendidos.
Jesus não é contra a política, nem de modo algum quer que sejamos anárquicos. O que Jesus nos diz é que, enquanto cidadãos deste mundo, temos o dever cívico de respeitar as determinações políticas que nos são impostas. Por outro lado, apela para que devolvamos a Deus aquilo que lhe pertence. Ou seja, a nossa vida.
Muitos esperavam de Jesus uma atitude veemente política. Contudo, o que Jesus nos recorda é que, pelo facto de O seguirmos, não significa que não tenhamos de cumprir com as nossas obrigações sociais. Antes pelo contrário! Pois, por sermos seguidores de Jesus, devemos, ao contrário de muitos dos nossos políticos, cumprir os nossos deveres cívicos. Afinal, a política, como repete constantemente o Papa Francisco, é a mais alta forma de caridade.
Peçamos ao “Senhor dos Nins” a capacidade de sermos verdadeiramente comprometidos com o mundo e com Deus. Mas, como Cristãos que somos, temos a obrigação de, seguindo exemplarmente a Deus, ser exemplarmente exemplos de cidadania neste mundo.