Pe. Mercier Armando Mendes Pereira dos Santos


BIOGRAFIA

P.e Mercier Armando Mendes Pereira dos Santos.

Natural de Pereiras, Freguesia de Bodiosa, Concelho de Viseu.

Nascido em 26 de Fevereiro de 1918.

Ordenado Presbítero em 26 de Julho de 1942 na Sé de Viseu.

Ministérios exercidos, com indicação dos respectivos cargos, lugares e datas:

Pároco em Mões de 1 de Dezembro de 1942 a 9 de Agosto de 1946

Pároco em Campo desde 19 de Agosto de 1946 a 1978

Assistente Regional da JAC de 1947 a 1953

Assistente da LAC de 1953 a 1955

Assistente Regional da JARC/F novamente a partir de 1955

Secretário Diocesano da Emigração desde a criação do Secretariado Arcipreste desde 31 de Maio de 1972, do 1º Rural de Viseu

Nomeado Cónego em 7 de Outubro de 1987

Pároco da Sé desde 1978 até 8 de Dezembro de 1988

Notário Adjunto do Tribunal Eclesiástico desde 1 de Janeiro de 1989

Reitor da Igreja dos Terceiros desde Dezembro de 1989

Cónego Penitenciário desde 18 de Janeiro de 1990 até 18 de Dezembro de 1997

Renomeado Notário do Tribunal Eclesiástico a partir de Julho de 1993

Membro do Secretariado das Migrações a partir de 22 de Dezembro de 1994

A partir de Julho de 1998 passou a viver no Centro Pastoral Diocesano.

Faleceu a 9 de Janeiro de 2005.

TESTEMUNHOS

Parece evidente que não é possível escrever a história dum passado recente da freguesia do Campo sem falar no Padre Mercier.

Foi um homem que marcou várias gerações pela sua vincada personalidade e pela indiscutível seriedade com que desempenhava a sua função.

Esteve ao serviço desta paróquia ao longo de 32 anos e deixou marcas irrefutáveis da sua religiosidade.

Podemos afirmar que, nesta freguesia, todos os que têm acima dos 35 anos se lembram dele perfeitamente, no entanto, a convivência era certamente mais expressiva com os que hoje são um pouco mais velhos. Daí, percorremos as nossas aldeias em busca de pessoas que tenham convivido mais de perto com ele, para que aqui se eternize uma parte bem expressiva da vida de um homem que se dedicou à Igreja e à freguesia do Campo.

Estão dispersas por estas duas páginas várias fotografias que registam alguns momentos de relevo da vida do P.e Mercier no seio da nossa comunidade. Os nossos agradecimentos a todos os que colaboraram ao ceder fotografias para publicação das quais apenas podemos publicar algumas.

Esta é a nossa homenagem.

José Carlos Martins – Ao Padre Mercier… o último adeus.
«acolheu o sofrimento com o sorriso no rosto».

Quase a fazer a bonita idade de 87 anos, o Pe. Mercier foi chamado por Deus no dia 9 de Janeiro de 2005.

Mercier Armando Mendes Pereira dos Santos era o seu nome. Nasceu em Pereiras, freguesia de Bodiosa, Viseu.

Foi ordenado na Sé de Viseu em Julho de 1942. Na Paróquia de Campo de Madalena passou a parte da sua vida mais activa, de 1946 a 1978.

Foi uma personagem considerada por muitos, controversa. A travessia do período que começou no fim dos anos 60 até aos anos seguintes à revolução de Abril de 1974, não foi pera doce. Foi neste período que mais se evidenciou o contraste entre a firmeza das suas convicções e o crescente inconformismo da juventude.

Não podemos julgar, à luz dos valores de hoje, seja quem for, pelos actos cometidos num passado que, como sabemos, era de outros valores, com padrões de vida completamente diferentes dos de hoje.

Era uma homem determinado de convicções profundas que defendeu os valores tradicionais da cultura social e religiosa do povo que espiritualmente orientava. De poucas aberturas a inovações na prática pastoral, mas marcante na cultura da oração e na criação de movimentos católicos, mesmo os direccionados à juventude, como a Juventude Agrária Católica (JAC) e a Juventude Operária Católica (JOC).

Foram 32 anos na Paróquia do Campo de Madalena e, quer queiramos ou não, a história desta freguesia, não se escreve sem a referência ao Pe. Mercier. E ainda hoje a prática religiosa deste povo é também o resultado de uma aprendizagem marcada pelas suas convicções.

Depois de passar por vários cargos como Reitor da Igreja dos Terceiros, faleceu quando era Cónego da Sé de Viseu.

Presidiu à Missa Exequial, na Sé de Viseu, D. António Marto, que recordou7 o testemunho do Pe. Mercier na sua missão evangelizadora.

TESTEMUNHO DO PADRE NERY (Moure de Madalena)

Eu penso que o Padre Mercier essencialmente marcou freguesia não em termos de obras físicas porque a esse  nível os tempos de «vacas magras» não permitiam obras significativas como mais tarde foi sendo possível a não ser umas obras feitas na Capela de Moure de Madalena e a nova Igreja de Moselos. Ele preocupou-se e ocupou-se mais com a construção espiritual dos povos.

E fácil de perceber isso se tivermos em conta o numero de vocações encontradas na freguesia tanto ao nível de religiosas, como ao nível de vocações sacerdotais. Lembro que na era dele ordenaram-se vários padres, o Padre Jose Augusto que já faleceu, eu próprio, o Padre Policarpo, o Padre Fernando, o Padre Ivo e o Padre Feliz. Lembro também todos os que passaram pelo Seminário incentivados por ele.

É preciso lembrar que foram muitos os que passaram pela Acção Católica e pelos diversos movimentos que ele próprio empreendeu, cujos frutos ainda hoje são visíveis. Os nossos pais e algumas das gerações seguintes passaram por este movimentos e receberam naturalmente um bafejo saudável de um cristianismo vivo que deixou rasto.

Esta foi a sua grande marca e julgo que é a principal.

Era um homem de convicções, de vivência religiosa, numa linha bem diferente da de hoje, com outro estilo outra forma devidamente contemporizada. Também pode ter cometido os seus erros, pois como homem também teria os seus defeitos, que podem ser encarados como também defeitos do sistema vigente. A época era caracterizada por um certo autoritarismo, que não era próprio só do Padre, mas também do polícia, do pai, da mãe, do professor, etc… Era assim o sistema, onde se castigava sem se discutir a autoridade. Quando se diz que o Padre Mercier era um homem rigoroso, é preciso recordar que na época eram quase todos assim, porque também os padres recebiam essa herança dos seus mentores, da sua família e da própria sociedade.

Mediante todos os condicionalismos da época, o Padre Mercier era um homem bom, realmente muito zeloso, que deixou marcas que ainda estão à vista.

No que me toca, posso dizer que devo em parte o sacerdócio a ele, assim como os outros padres do meu tempo, que o viam como o mentor das suas vocações.

TESTEMUNHO DO SR. HENRIQUE ALMEIDA (RIQUINHO – Bassar)

O Padre Mercier foi sempre muito meu amigo e nunca se esqueceu de mim mesmo na fase final da sua vida em que já se recordava muito pouco das pessoas daqui da freguesia.

A amizade’ que tinha comigo nasceu ainda no tempo  do meu pai que era caçador como o Sr. Padre Mercier. Os dois lá se encontravam no tempo da caça, vindo a tornar-se um grande amigo da família.

Era um homem muito activo na vida da Igreja. Pode dizer-se que era um homem duro e muito disciplinado, levando a que por vezes houvesse umas campanhas contra ele, que nem merecia… Nestas alturas ele remetia-se ao silêncio e sabia muito bem ocupar o lugar dele. No fundo era um homem bom que respeitava e fazia-se respeitar como era próprio da época. Era um verdadeiro padre.

Como padre era muito doutrinal e foi o mentor de muitas vocações aqui na freguesia.

Manteve sempre a conduta do cumprimento do dever e no admitia bleviandades.

Foi ele que me casou e fui talvez dos primeiros a ter carro aqui na freguesia. Como se dava muito bem comigo e como ainda não tinha carro na altura pedia-me que o levasse a ver o Académico de Viseu, Domingo sim, Domingo não. Ele gostava muito da bola especialmente do Académico de Viseu.

Tenho muito boas recordações dele e sei que ele foi sempre meu amigo.

TESTEMUNHO DO PROFESSOR TAVARES (Vila Nova)

De compleição forte e robusta, mais alto que o normal, talvez porque a sotaina preta que usava, lhe realçasse a estatura, quem é que de entre os paroquianos de idade mais avançada, se atreve a dizer que o não conheceu?

Na Igreja Matriz, a sua voz enchia todos os recantos, a sua fé todas as almas. Falamos, claro está, do nosso saudoso e antigo Pastor, o Padre Mercier, que durante 32 anos moldou as nossas almas, nos ajudou a dar os primeiros passos na Fé, nos uniu pelo matrimónio e perdoou os nossos pecados.

Homem de vida simples, austero, de hábitos quase rotineiros, cujas extravagâncias passavam pelo caçador embrenhado nas matas que circundavam as aldeias da paróquia ou, aos domingos, como  um outro qualquer mortal, ia ver um jogo de futebol.

Um português à moda antiga, de “antes quebrar que torcer”, conservador, tradicionalista não compreendendo as inovações que os jovens tanto amavam. É que os tempos que corriam eram de rigor, dureza e dificuldade; logo assim o era igualmente o seu carácter, moldado pelas escolas daquela época. Mas sempre se lhe via, de vez em quando, um sorriso mais complacente ou uma saudação mais bondosa e bem humorada.

As suas obras, talvez não fossem de pedra ou betão, mas as ajudas humanitárias que conseguiu trazer para a paróquia, foram-no com toda a certeza. Assim, a Caritas, supriu com alguns alimentos as falhas nas refeições dos miúdos da escola e o sobrante era ainda distribuído pelos mais carenciados.

Dinamizou muitas acções católicas para a juventude, a Catequese (sendo ele o último examinador e nada para graças!)

Conta-se que, certa vez, comprara um carro um pouco melhor que o habitual. Um «Vauxhall», e que o Sr. Bispo lhe pedira se o levava nele a Roma ver o Santo Padre. Ele anuiu e aí foram eles até ao coração da cristandade. Então, o Sr. Bispo, para o consolar da penosa situação de motorista, dizia-lhe em tom de brincadeira: «O melhor bife é para ti, meu filho, que tens o maior trabalho».

Um bom homem, um bom sacerdote, com uma Fé inabalável, um tanto rude, mas laivos de complacência na raiz da sua alma, a quem Deus chamou, com toda a certeza para o Céu.

A nós resta-nos incluir, por ele, nas nossas orações diárias, uma Avé-Maria e ainda as saudades das lembranças.

TESTEMUNHO DA PROFª A ROSA APARÍCIO PEREIRA (Moselos)

Não é fácil para mim falar sobre o Padre Mercier uma vez que eu era pequena quando ele veio para a freguesia. Não me lembro. Quando ele visitava as casas na recolha da côngrua, sim, porque a côngrua era recolhida casa a casa e quase sempre as pessoas pagavam com milho, eu procurava esconder-me atrás da minha mãe. É que a figura do senhor Abade, alto, semblante um pouco carregado, deixava os mais pequenos tímidos, sem vontade de falar com ele. No entanto, com o decorrer dos anos cheguei à conclusão que  era uma pessoa afável, disposto a ouvir e ajudar os seus paroquianos.

A ele devemos a construção da nossa igreja, embora sacrificando a capela antiga, que foi uma grande perda no nosso património.

TESTEMUNHO DE HERMÍNIA SEIXAS (Campo)

Como padre era exemplar, não só pelo dom da palavra, mas também pelo seu exemplo, pois empenhava-se para que o rebanho que lhe foi confiado fosse mais cristãos e crescesse na Fé.

Eu ainda era solteira quando ele veio para a freguesia. Fez-me o casamento e baptizou os meus filhos. Esta amizade com a família surgiu porque o meu sogro era juiz da igreja, mesmo antes de o Padre Mercier vir para cá. Como estava ligado à Igreja, o meu sogro, que era uma pessoa simples e muito honesta, passou a ser uma das pessoas em quem ele confiava e com quem ele podia contar. Começou a frequentar a casa com regularidade, mesmo depois de os meus sogros falecerem.

Quando tive o meu segundo filho, lembrei-me de lhe pedir que fosse o padrinho dele. Tive algum receio que ele recusasse, mas pu-lo à vontade para o caso de não aceitar. Disse-me imediatamente que nunca recusaria esse pedido, aceitando-o prontamente. A partir dai passou a chamar-me só por comadre.

Sempre que havia a matança do porco, tanto aqui como em casa dele, estávamos sempre todos juntos como se fôssemos uma família. Aliás, para nós ele era um familiar como outro qualquer. Chegamos a ir várias vezes a Pereiras a casa dos pais no dia das festas de S João.

Foi no tempo dele que se fundaram muitos grupos religiosos, apareceram muitos seminaristas incentivados e devidamente acompanhados por ele. Além do ser um fervoroso adepto do Académico de Viseu e de ir à caça, também gostava muito de passar umas horas a jogar às cartas, chegando a juntar-se muitas vezes com outros colegas padres.

Recordo-me que ele se empenhava em tudo, mas acho que dava uma atenção especial à juventude da Acção Católica. Gostava muito dos jovens.

Como homem era correcto, um pouco duro, mas pela verdade. Não posso deixar de prestar em meu nome e em nome da minha família a sincera homenagem ao nosso amigo de sempre, Padre Mercier.

TESTEMUNHO DE UM PAROQUIANO (2016)

É com muito carinho que escrevo estas simples palavras para relembrar os tempos que passei com o Sr. Padre Mercier, pároco da minha freguesia quando eu era criança, mas também durante grande parte da minha vida. Com ele fiz a minha primeira comunhão, a profissão de fé, o crisma. Ele presidiu ao meu casamento e baptizou a minha filha. Por tudo isto só posso estar grato por tudo o que ele fez por mim e pela minha família. Logo que casei fui de assalto para França e quando voltei a Portugal já a minha filha tinha nascido. Tentei, depois, tratar dos documentos para regressar àquele país que tanto me deu na vida, mas a verdade é que os obstáculos foram muitos. Mesmo com a ajuda de um advogado nada estava a conseguir. Foi então que esse advogado se me dava bem com o padre da minha freguesia. Perante a minha resposta afirmativa ele disse-me que fosse ter com ele, para que, por exemplo, redigisse uma carta alegando que estava a construir uma casa e que não a poderia acabar se não voltasse a emigrar. Apesar de ser mentira, fui ter com o Pe. Mercier, contei-lhe o sucedido e encontrei acolhimento da sua parte. Era uma mentira «piedosa»… Passada a carta com o selo branco, fui logo levá-la ao advogado e a verdade é que quinze dias depois, tinha uma carta em casa para ir buscar os documentos que me permitiam regressar a França e que me permitiram, mais tarde, levar também a minha família. Se não fosse a ajuda do Pe. Mercier eu não teria tido a possibilidade de ter documentos legais para poder emigrar. Por este episódio, mas também por muitos outros, quero publicamente manifestar a minha eterna gratidão ao Pe. Mercier. Que descanse em paz.

TESTEMUNHO DE GLÓRIA DE JESUS PEREIRA (2016)

Vou narrar de forma simples o caso que se passou comigo com o Pe. Mercier.

Não sei bem em qual dos anos aconteceu (1968, 1969,…), mas estava em Lisboa no Instituto do Bom Pastor, em Carnide, e pensei escrever ao Padre que me viu nascer e que todos os sacramentos.

Por essa altura vivia um período muito conturbado da minha vida: a morte da minha amada mãe e todos os problemas que isso trouxe consigo. Pensei então pedir ajuda ao Pe. Mercier, mas não imaginava que ele me respondesse. A verdade é que, quase na volta do correio, obtive a resposta num simples postal que ainda guardo. Entre outras palavras, marcaram-me as seguintes: «Pensa, medita, estuda e reza».

Na minha humilde opinião, este homem de Deus, era uma figura muito carismática mas com tudo o que em plena ditadura também lhe era exigido. Muito conservador, mas atento, profundo, crítico e exigente. Marcou umas época de transição, com a vinda do 25 de Abril de 1974. E ele foi alvo de graves críticas neste período de mudança no nosso país, pois que estaria muito ligado ao antigo regime.

Fica aqui o mês testemunho de alguém que passou por esta Paróquia cerca de trinta anos e que marcou bastante as gentes do Campo.