MOSELOS, CAPELA DE NOSSA SENHORA DA VITÓRIA
DOAÇÃO DE JOANA DA FONSECA
I
INTRODUÇÃO
1 – A povoação de Moselos faz parte da freguesia do Campo, concelho de Viseu e o seu povoamento desta freguesia é pré-histórico porque não lhe faltaram fortificações castrejas: no extremo sudoeste sobre a povoação de Moselos, o Monte de Nª Srª do Crasto com um castro ainda de vestígios notáveis, e, em pleno território da freguesia o Monte de Santa Luzia -sobre a povoação do Campo e a de Vila Nova no qual também existiu um castro.
2 – Em 1527 o Cadastro da População do Reino do autor José Maria Teles Magalhães Colaço, indica que Moselos teve nove indivíduos recenseados, isto é, nove indivíduos que mereceriam crédito.
3 – Pelos anos de 1625 foram iniciados em Moselos os trabalhos referentes à edificação de um templo onde fosse venerada a Santíssima Virgem no titulo de Nossa Senhora da Vitória. Feita a capela colocaram nela a imagem da padroeira, Nossa Senhora de Vitória – erigindo-lhe uma irmandade, com 33 irmãos, para cuidarem da Senhora e da sua igreja e de lhe fazerem uma festa anual.
Estes factos foram levados a efeito pelo casal Henrique de Almeida natural de Viseu e Joana da Fonseca, natural da cidade do Porto, que, sendo muito devotos da Santíssima Virgem, e como não tivessem filhos resolveram entre si, nomear Nossa Senhora por sua herdeira.
Em 14 de Dezembro de 1638 a viúva de Henrique de Almeida fez a escritura de doação constante deste trabalho a folhas 10 a 13 a qual merece muita reflexão dado o que ela expõe ter actualidade.
Os Estatutos da Irmandade foram aprovados e confirmados em 1653, sendo os Irmãos obrigados a assistirem à festa da Senhora, a 25 de Março de cada ano. A 20 de Dezembro se fazia o aniversário dos irmãos falecidos, por cada um dos quais também a irmandade era obrigada a mandar dizer cinco missas. Os irmãos davam 100 reis cada um e as irmãs viúvas 50 réis.
No se admitiam para o lugar dos irmãos falecidos senão seus filhos ou descendentes.
4 – Aos 26 dias do mês de Abril de 1651, Francisco Moreira Castelo Branco morador em Viseu, renunciou um prazo que estava em Moselos a favor de sua filha Mariana Baptista, cujo referido prazo tinha várias casas e propriedades em Moselos o qual fora de Joana da Fonseca e que o havia comprado a Fernão (sic) de Morais e sua mulher Messias de Figueiredo, de que era direito Senhorio a Mesa Capitular da Santa Sé de Viseu.
5 – Por Moselos passou a Estrada Romana que partindo de Viseu ia ao Porto.
6 – No 1º de Maio de 1925 quando o Dr. José Coelho ia acompanhado dos seus alunos do 7º ano de letras, descobriram em Moselos um marco miliário do tempo do Imperador Claudio I (41-45 d.c.), o qual correspondia à Milha V a contar de Viseu, e que estava servindo de esteio a uma parreira!
7 – Como este trabalho tem por objectivo, de entre o mais, servir de parte cultural referente a Moselos, e como a sua padroeira privativa é a Nossa Senhora da Vitória, informa-se que em Portugal há duas padroeiras com o título de Nossa Senhora da Vitoria.
São elas
– Na Freguesia de Santa Vitória, Arciprestado e Diocese de Beja;
– Na Freguesia de Famalicão, Vigararia de Alcobaça, Diocese de Lisboa.
Coimbra, 13 de Julho de 1990.
José Augusto Seixas
II
A CAPELA
1 – A capela a que alude Pinho Leal no seu livro Portugal Antigo e Moderno encontrava-se situada à entrada do lugar de Moselos, junto à antiga estrada que vai para Guimarães e para o Porto, (esta edição é de 1890).
Há quem avente a hipótese da capela que fora demolida e que até então servia para o culto religioso, não teria sido aquela que em inícios de 1625 o casal Henrique Almeida e Joana da Fonseca mandaram construir. E a razão desta hipótese surge pela existência de alguns vestígios apropriados a lugares de culto.
2 – Não havendo, porém, nada de positivo e confimativo da existência real da outra capela, o que se não põe em duvida que a capela a que se refere Pinho Leal e que foi demolida, era para todos os efeitos o templo da Senhora de Vitória e que se encontrava envolvida pelo clausulado constante da doação feita por Joana da Fonseca.
3 – O templo de Nossa Senhora do Vitória que ficava situada à entrada de Moselos, tinha pelo seu estilo tipo do sec. XVII. É o que temos de memória. Tornou-se, como foi evidente pequeno para as celebrações do culto divino, em especial nas celebrações eucarísticas não cabiam grande parte de fiéis.
Exactamente por o templo já ser pequeno, foi tomada em conta a necessidade da construção de nova capela que satisfizesse às condições do exercício do culto com à-vontade de espaço, o que era uma medida acertada.
4 – É construída uma capela nova de Nª Srª da Vitória. Trabalhos não deveriam ter faltado e as preocupações também deveriam ter sido muitas para a obra ter sido levado até ao fim.
5 – A Confraria deveria ter dificuldades financeiras e os rendimentos dos bens doados por Joana da Fonseca (se calhar já não serão todos que foram doados) e as contribuições dos fiéis não teriam sido muito generosas.
6 – Actualmente exerce-se o culto divino na capela nova. A capela que é de nossa memória ter existido à entrada de Moselos, já não existe. Ela foi demolida!
7 – Consta que a capela de Nª Srª de Vitória de Moselos de que fala o Portugal Antigo e Moderno, fora vendida. O 2º vendedor fora o Dr. Vasco Rodrigues Serrano a Alberto Loureiro Durão , de Moselos, em 1973.
8 – É lamentável que não tivesse surgido algo que evitasse a destruição daquele templo! Só aos moselenses cabem as razes da implacável demolição do Templo. Pertencia-lhes pela doação feita por Joana da Fonseca. Com a destruição da antiga capela que era um belo monumento, Moselos, a freguesia do Campo e porque não dizê-lo, Portugal ficaram mais pobres no seu patromónio cultural.
9- Seria interessante e útil para a freguesia saber onde foram sepultados o casal Henrique de Almeida e sua esposa Joana da Fonseca. Pelas buscas que fiz não o consegui. Outros poderão consegui-lo se se derem ao interesse pela investigação.
10 – Todo este trabalho tem por finalidade dar qualquer auxilio à divulgação da Escritura de doação de Joana da Fonseca para fins culturais e meditação sobre o cumprimento do seu conteúdo por parte da confraria, porque estou convicto que muitos não a conhecerão.
DOAÇÃO FEITA POR JOANA DA FONSECA
A NOSSA SENHORA DE MOSELOS
Saibam quantos este instrumento de doação e vínculo ou como em direito, melhor haja lugar virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e trinta e oito anos, aos catorze dias do mês de Dezembro, do dito ano, em esta cidade de Viseu e casas das moradas de Joana da Fonseca e dona, viúva que ficou de Henrique de Almeida defunto que Deus tem e moradora nesta cidade, estando ela ali presente, Iogo por ela foi dito, perante mim tabelião e testemunhas adiante nomeadas, que ela por justas causas e razões que a isso a movem e pelo dito seu marido ter tenção e vontade de fazer doação e deixar a Nossa Senhora da Vitória, sita na capela do lugar de Moselos, do termo desta cidade, que é da mesma invocação um casal que ela tem no dito lugar de Moselos, que tem terras, lameiros, regadas e tapadas e casas e outras propriedades e árvores de fruto e tem parte universalmente, com os moradores da dito lugar com terras que possuem do qual casal são caseiros António João e Pedro Álvares e seus cunhados que são os do António João e do dito casal se paga a ela Joana da Fonseca, de todos frutos que dão as terras o quarto delas, e os caseiros têm obrigação de darem dela recado que vá ou mande assistir no novo e no tempo de se recolher muito deles, uma pessoa para diante dela se lhe dar o quarto dos ditos frutos que tem e se os não podem recolher a além de se lhe pagar do dito casal uma marrã de quarenta arráteis e um cabrito e dois capões de sabido em cada um ano, o que o dito seu marido não pôs em efeito, por lhe não caber o dito casal um terço. E ela, Joana da Fonseca, o ficou adquirindo e dela é senhora e possuidora manca e pacificamente, e por assim ser e saber a vontade do dito seu ma rido e ela ter devoção da Senhora da Vitória, porque sempre foi sua devota e dela espera fazer para que por sua intercessão haja Deus misericórdia da sua alma e por ser causa do seu serviço, disse ela a dita Joana da Fonseca, que ela de sua livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma dava e doava, como de feito feito e doou, de hoje e para sempre a Nossa Senhora da Vitória, do dito lugar de Moselos, o dito casal com todas as suas terras e pertenças, foros e pensões tudo monte e em fonte, assim e da maneira que lhe pertence o dito casal do qual lhe fazia pura e irrevogável doação para sempre para que os mordomos da mesma Senhora da Vitória, que forem agora e pelo tempo em diante forem enquanto o mundo durar, cobrem e arrecadem todos os frutos que lhe forem devidos do dito casal, tirado os ditos dois capões que se aplicam para o que adiante se declara. E esta doação fazia à Nassa Senhora da Vitória e com a condição e declaração de que os irmãos da confraria da mesma Senhora e seus mordomos que em cada ano fazem não cobrarão os ditos frutos senão depois da morte da dita Joana da Fonseca, porque em sua vida disse que os reserva como de facto reservou para si, e com condição e declaração que depois da sua morte lhe mandarem dizer enquanto o mundo durar que é «imperpectuo», nove missas por sua alma nos nove dias de Nossa Senhora e isto em cada um ano, e assim mais lhe mandarão dizer em cada um ano seis missas nos seis domingos da quaresma cada Domingo uma, e também lhe dirão duas missas em cada um ano por dia de S. Francisco e uma e outra por dia de S. Jerónimo, as quais Missas todas que vêem a ser dezassete, se dirão na capela da mesma Senhora da Vitória no dito lugar de Moselos, e isto pelas almas da dita Joana da Fonseca e do dito seu marido Henrique de Almeida e de Branca Nunes, mãe dela, doadora, porquanto na dita capela estão ornamentos e aparelhos necessários para se dizerem as ditas missas, que serão ditas nos tais dias, cada uma em seu dia, e em cada um ano para sempre sem dúvida alguma e a esmola delas pagarão os mordomos e confrades da dita confraria dos rendimentos do dito casal e o que crescer deles será para a fábrica dela tratando do reparo da casa da capela e do mais necessário até onde chegarem e pede mercê aos ditos irmãos e confrades tenham muita caridade de lhe mandarem dizer as ditas missas, e em cada um ano, assim como forem seguindo uns após outros, porque os deixa em suas consciências desde agora para então e disse que unia e vinculava o dito casal em modo de vínculo e capela para o deixar à mesma capela, para que depois da sua morte ficasse livre e desembargada com o dito encargo de missas, e também pede mercê ao ilustríssimo Senhor Bispo, deste bispado, do que ao tempo for nele e estiver e a seu Visitador Geral, procurem saber se os ditos mordomos e confrades mandaram dizer as ditas missas em cada um ano e disso peçam certidão e não tendo satisfeito com esta obrigação os obriguem a isso com censuras e o reverendo Visitador indo visitar em cada um ano a dita capela tomará conta se cumprem com esta obrigação e a mandará cumprir e dizer as ditas missas, e por este trabalho mande que se lhe dêem em cada um ano os ditos dois capões, que ele poderá cobrar que lhos darão de sua livre vontade em gratificação de tão boa obra que nisso lhe fará, e sendo necessário mandar fazer vedoria de todas as terras do dito casal, para disso haver tombo e memória de todas as questões e não poderem sonegar nem usurpar em tempo algum nem as caseiros os fazerem suas próprias, e no dito tombo se declara que esta obrigação de missas para que assim resulte em proveito da capela e como assim se fizer as não podem os caseiros alhear, trocar nem dividir e ficam mais seguras à capela, e disse ela Joana da Fonseca que, por esta maneira desistia de todo o direito, acção e razão e possessão senhorio e domínio que tem no dito casal e suas pertenças e nesse dia trespassava e transferia na mesma Senhora da Vitória e em seus mordomos e confrades para que por sua morte dele tome posse real e outros corporal e civil e natural e enquanto a não tomarem se constitua por sua simples consciência e confessa declarava possuir o dito casal em nome da mesma capela porquanto tanto que ela falecer, logo os ditos mordomos e confrades poderão pôr em cobro os frutos do dito casal, como da dita capela, por serem do dito casal de que lhe faz doação pura irrevogável e prometeu de nunca em tempo algum ir contra esta doação em parte nem em todo, antes sempre a ter e cumprir em Juízo e fora dele para que obrigou seus bens havidos e por haver, porquanto o dito casal é seu livre e desembargado e dízimo[1] a Deus sem foro algum e em fé e testemunho de verdade mandou e outorgou com efeito este instrumento de doação que eu tabelião como pessoa pública sou presente e aceitante e lhe passei e aceitei, em nome dos ditos mordomos e confrades da dita capela da que em todo foram testemunhas presentes Irene, filha de Francisco de Aragão, morador nesta dita cidade, ao qual a dita Joana da Fonseca lhe rogou que assinasse por ela e por ser mulher e não saber assinar e com efeito assinou a seu rogo a foram mais testemunhas por ela Gaspar da Fonseca, escrivente e António Fernandes, moradores nesta cidade que assinaram nesta nota, depois desta lhes ser lida, por mim, tabelião André de Aragão que a escrevi.
A seu rogo dela
Assinaturas: Francisco Aragão
Gaspar Fonseca
António Fernandes